sábado, 29 de outubro de 2011

Altares

Içar altares de pedra evasiva
No cimo colocar pedra categórica
Pedir aos deuses a bênção e a dádiva
De o altar não desmoronar, caótica

É a prece sem eco e pelos vistos
Tudo cai da noite para o dia
Uma onda em maré vazia
Chega sempre sem avisar
Eu estou para aqui a pensar
Altares são acomodações da mente
Nada leva a palma e tudo era diferente
Se os  pés estivessem assentes no chão

Que se ergam altares e tronos
Os homens precisam de distracção
Que se ergam sonhos ao alto
Tendo sempre em conta o percalço
De que altares se estatelam no asfalto
Travando na boca o amargo
Da cegueira sem retenção.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Refilando

Refila, sim refila
Diz da tua caganeira
Refila de qualquer maneira
Corre e entra na fila
Refila mesmo asneira

No país das maravilhas
Era só o que falecia
Refilar sem entrelinhas
O jeito que isto faria

Porque não criar uma linha
Cada um que a utilize
Pode dizer mal da vizinha
E falar de politiquice

Mas, o poeta indolente
Quer mais senhor prior
Não basta gritar somente
O grito atrai calor

E pensou, pensou
Se pensou melhor o fez
A linha à merda mandou
E falou de uma só vez

Parem lá com o chifrim
Que ainda ficam roucos
Não basta respingar assim
Neste país de loucos

Refilar cedo se aprende
A mais pequena criancinha
Refila até surpreende
Com a conversa, é moínha

Moínha é afinal
O apagão que apaga
A memória o vendaval
Ai jesus mas que praga

O poeta jurou silêncio
No ano do vinte e um
Refilem, não me convenço
Mas está farto do jejum

Por isso o fuinha acordou
E agora é um ver se te havias
Toca a fazer burburinho
p`ra refilar aqui estou.



O caqueiro



O caqueiro espatifou-se
No chão desfez-se em bocados
O caldo por fim entornou-se
Restaram dez réis trocados

As velhas em algazarra
Remoeram de uma assentada
Logo instigaram a fanfarra
No tocar a debandada

Debando eu, debandas tu
A cada qual o seu quinhão
Abarcam as medidas em cruz
Arrolham olhos, satisfação

Ia alta a estação
Mas a sombra que saltou
Do caqueiro em aflição
Olhou em volta e gritou

Mais trocado menos trocado
Que diferença faz afinal
Isto está sossegado
Melhor assim que mais mal

Gritou o bento patudo
Com mania de saber
Antes morto que mudo
Tu estás a perceber

A sombra encolhidita
Encolheu os ombros marafada
Patudo mais vale mudo, acredita
Do que ser sombra finada
.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Pai nosso do Facebook

Pai nosso que estais ausente
Na mulher de mais de quarenta
Dá-lhe senhor o presente
De pensar, pensar igual a noventa

Santa bárbara bendita
Acode ao homem maduro
Diz-lhe que ao fazer fita
Parece gaiato imaturo

Ó minha virgem santíssima
Acode-me dá-me visão
Eu não entendo a lástima
De tanto choramigão

Ó senhor do Bonfim
Eu não entendo o sentido
Acode-me olha por mim
Estou farta do ruído

Que prolifera no Facebook
Tanto hino ao disparate
Ó meu pai lá das alturas
Acode antes que atraque

Esta vontade maluca
De deitar abaixo, que se lixe
Sou poeta proscrita
Bota abaixo, não sou fixe

Ó meu menino Jesus
Não te esqueças do pedido
Corre e tira o capuz
A tanto post empedernido

De caminho olha por mim
Faz com que não perca o tino
Sou chata é por ser assim
Que não engulo o pepino

Nossa senhora das dores
Roga por mim pecadora
Rogai pelos autores
De tanta bombagem impostora

De caminho ao diabo peço
A deus e a todos os anjos
Que afaste p`ra sempre o tareco
E ao facebook dê arranjo.

Amem.




 







sábado, 22 de outubro de 2011

E a chuva

Um bom dia p`ra todos
Deste cantinho ensolarado
O verão está de loucos
Não quer deixar o montado

Os sobreiros a carpir
Aliados às oliveiras
Gritam p´ra o tempo ouvir
Manda chuva, as primeiras

Mas o tempo que está surdo
De gritos não quer saber
Não responde está mudo
Parece que não vai chover

Isto está tudo trocado
É como dizia o Bandarra
Neste século enviesado
Nada escapa à desgarra

As maleitas que se achegam
A falta de chuva é sinal
Que até as nuvens enjeitam
O que vai em Portugal

O que vai em Portugal
Triste fado de uma nação
Tudo está tão mal
Que o tempo já nega o pão

Outrora nos embaraços
O povo em união
Aos céus elevava braços
Rezando na procissão

Mas são outras as gentes
Não vão mais em novenas
Será que restam pingentes
Mendigando por vintenas

Mendigando por vintavo
Que nada é afinal
Ó gente até é pecado
Suspeitar de Portugal


Ó povo que estás dormindo
Um dia acordarás
O tempo espera sofrido
Pois sabe o que serás

Se tardares em acordar
À sorte não deitares mão
Escapará o vislumbrar
Que faça a revolução

De mentes e incentivos
Grita a terra povo cego
Para continuarem vivos
Tem que abrir o rego

E fazer a sementeira
Até das mãos jorrar sangue
Enterrem lá a cegueira
E a chuva talvez se achegue.







sábado, 15 de outubro de 2011

Acredito

Acredito na terra
Não acredito na gente
Acredito no pó
De um país descrente
Acredito nos mortos
Naqueles que passam fome
Acredito nos filhos
De tantos pais sem nome

Acredito no povo
Na barriga vazia
Acredito na agonia
Que se aproxima de novo

Não acredito em políticos
Em gente de colarinho
Acredito no pergaminho
Que reza a nossa história
Levanta os ombros zé povinho
Será tua a vitória

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Grito

Grito desalmadamente, ninguém me ouve
Afogo-me num lago salgado, a salmoura é quinhão
De peito zangado
Grito
Arremesso à claridade ondas inúteis
Como inúteis são as convicções decretadas
Mas opostas…
Por acaso o dia não desperta
As marés não voltam
O mexilhão não bate na rocha
Por acaso não morrerei
Um dia
Ahah de que serve esta agonia
Esta gritaria
O dia
Esse corre apresado e já é meio-dia
Ahaha
Eu, estou rouca
De que me serviu tanta gritaria…